No disputadíssimo GP do Bahrein, dentre os duelos travados, talvez o que tenha chamado mais atenção foi o que aconteceu entre Lewis Hamilton e Nico Rosberg. Não só por serem pilotos da mesma equipe, mas, também, pelo fato de estarem brigando pelo lugar mais alto no pódio. Naquela corrida, o inglês se manteve à frente de seu companheiro, conseguindo a segunda vitória na temporada.
Após a corrida, a equipe inteira estava em puro êxtase. Na ocasião, o alto escalão da Mercedes vangloriava-se de sua filosofia. Paddy Lowe, co-diretor executivo, afirmou que a competição vem sempre em primeiro lugar e que a não utilização de ordens de equipe era algo que deviam ao esporte e aos fãs (confira aqui o post (http://wp.me/p4f3dZ-2y).
Não demorou muito para que o tom do discurso mudasse. Após a corrida de Xangai, quarta etapa do campeonato, a equipe parece ter revisto toda a sua forma de pensar. As declarações de que a Mercedes pode, sim, fazer uso de ordens de equipe foram dadas a BBC pelo outro diretor executivo, Toto Wolff, em aparente contradição com seu colega:
“Pode haver situações em que não se pode perder muito tempo na disputa (interna), se você tem o inimigo logo atrás de você.
“Bahrein foi uma situação muito particular, porque nosso conjunto funcionou muito bem e lá tivemos uma vantagem muito competitiva, então é mais fácil tomar uma decisão pelo bem da corrida, pois você sabe que tem uma boa margem para quem está em terceiro lugar
“Quanto menor a margem fica, mais cuidado você tem de ter. Nossa regra é que a competição é o nosso primeiro inimigo, não o companheiro de equipe, então pode haver situações na corrida em que você tem de considerar isso (uso das ordens), mas veremos o que acontece.”
Toto Wolff parece ter memória curta. As polêmicas ordens não são novidades na equipe Mercedes.
Em 2013, no controverso GP da Malásia, durante as voltas finais, Nico Rosberg estava bem mais rápido que Lewis Hamilton, terceiro colocado naquele momento, e queria a chance de brigar pelo pódio. Ao solicitar à equipe autorização para ultrapassá-lo, Ross Brawn, então chefe da equipe, foi categórico em sua resposta: “Negativo, Nico”. No fim da corrida, Rosberg, nitidamente insatisfeito, mesmo recebendo elogios da equipe pelo trabalho realizado, apenas respondeu: “Lembre-se dessa.”
No GP do Bahrein dessa temporada, quando a disputa interna começou, Paddy Lowe também interveio pedindo para que seus pilotos se certificassem de “trazer os carros pra casa”, mas sustentou que não se tratava de uma ordem de equipe.
Afinal, a que se deve uma mudança tão repentina em sua postura? Se era algo que fazia parte de sua filosofia no automobilismo e de que tanto se orgulhava, qual motivo levaria a equipe, em menos de um mês, rever sua posição? A reposta é simples. A real ameaça das outras escuderias.
A RBR já mostrou ter grande poder de reação. Em 2013, apesar do início disputado, na segunda metade da temporada Sebastian Vettel venceu nove corridas consecutivas. Neste ano, a equipe austríaca praticamente não realizou testes na pré-temporada, mas já no GP da Austrália desafiou a Mercedes na disputa pela pole position, apesar de não ter oferecido perigo durante as provas.
Mas o que deixou a equipe alemã em estado de alerta foi outro motivo. Bastou a Ferrari conseguir um pódio com Fernando Alonso, no grande prêmio da China, para que, prontamente, a possibilidade de ordem de equipe fosse levada em consideração.
As peças introduzidas no F14t deixaram o carro da escuderia de Maranello mais competitivo, a ponto de desbancar a Red Bull e oferecer resistência a, pelo menos, um dos carros da Mercedes. O diretor técnico da Ferrari, James Alison, já informou que o carro terá mais mudanças para o GP da Espanha, que será disputado em 11 de maio.
Os debates acerca das ordens de equipe são sempre acompanhados de polêmica. Os fãs, em geral, as veem como algo negativo para o esporte. Para o brasileiro, então, o tema é ainda mais delicado.
Rubens Barrichello e Felipe Massa, esperanças brasileiras na fórmula 1, em determinado momento de suas carreiras, ficaram marcados por terem se submetido às ordens. Para o torcedor é difícil entender que o interesse da equipe deve vir em primeiro lugar. Por sua vez, a imprensa, interessada num tema que gera muita exposição, em nada contribui, pois explora-o de maneira negativa.
O exemplo mais recente em que a falta de comando custou um título foi em 2007. A McLaren havia contratado Fernando Alonso e decidiu que Lewis Hamilton, pupilo de Ron Dennis, fosse seu companheiro. O estreante mostrou ter condições de lutar pelo título. A equipe inglesa tinha o melhor carro do grid e deixou que seus pilotos brigassem “livremente”.
Ocorre que a vantagem da equipe de Woking não era tão ampla em relação à Ferrari. Hamilton e Alonso terminaram com 109 pontos. O campeonato de pilotos caiu no colo de Kimi Raikkonen (110 pontos), com direito a jogo de equipe a seu favor na última corrida.
As polêmicas ordens não fazem bem à imagem das equipes, sendo que algumas negam o seu uso, subestimando, às vezes com razão, a inteligência de quem acompanha o esporte. Mas todas escuderias fazem uso delas, e, não raro, as emitem através de códigos.
As únicas ocasiões em que não há necessidade de se fazer uso é quando a superioridade de uma equipe é tão grande, que existe a certeza de se ganhar o campeonato de construtores e de pilotos, a exemplo da McLaren, só que na época de Senna e Prost.
Se fazer uso das ordens de forma aberta e transparente com seu torcedor arranha a imagem da equipe, transformando-a em vilã, pior é o caso onde se exalta que a vitória deve ser conquistada na pista e logo após se vê obrigada a fazer uso delas.
Talvez resida aí a verdadeira preocupação da Mercedes.